Adega José de Sousa

Fundada em 1878, a Adega José de Sousa é das mais especiais do Alentejo pela sua coleção de talhas de barro que a tornou conhecida por "adega dos potes".


E como o prometido é devido, voltei aos caminhos do enoturismo. A região de Monsaraz foi a eleita para aproveitar uns dias fabulosos de sol com temperaturas a rondarem os 30ºC. A vontade, ainda que com receio, de voltar a ouvir histórias do vinho era imensa.
Agendei um visita para conhecer, finalmente, a antiga Casa Agrícola José de Sousa Rosado Fernandes. Produzia vinho de talha deste finais do século XIX mas quando foi adquirida em 1986 pela José Maria da Fonseca passou também a produzir outros vinhos do Alentejo

Logo ao início, num pequeno jardim de frente para a adega moderna, com as suas 44 cubas em inox, estão exemplos das castas a partir das quais são produzidos os vinhos: Grand Noir, Trincadeira e Aragonês. Os 60 hectares de vinha ficam na Herdade do Monte da Ribeira, a cerca de 2km, bem pertinho de S. Pedro do Corval.


Na década de 80 do século passado, quando se preparava a terra para plantar novas vinhas, encontrou-se um menir com quase 5 metros de altura. Como estava tombado e coberto de terra, permitiu uma conservação do monumento, sobretudo das inscrições e figuras que ainda hoje conserva. Um pequeno tesouro com cerca de 9000 anos.



E por falar em tesouro, entramos na conhecida adega dos potes. Estas ânforas são oriundas da Vidigueira, Campo Maior e S. Pedro do Corval e muito devido às suas dimensões (levam entre 1200 a 2000 litros), já não há quem as produza. 

Até aos anos 80 anos só existia este espaço e era aqui se dava todo o processo, desde a receção da uva, desengace manual, pisa a pé à vinificação. Hoje, mesmo com o seu interesse patrimónico e histórico, continua a ser utilizada para produzir os vinhos de talha.


Apesar de terem a maior coleção de talhas da Península Ibérica (114 no total), para a produção de vinhos 100% talha apenas usam entre 10 a 20, o que equivale a cerca de 10000 litros/ano.  Metade é usada nos 100% vinho de talha, certificados pela Comissão Vitivinícola e a restante na elaboração de lotes para outros vinhos primium. É uma produção pequena mas que mantém viva uma tradição com mais de 2000 anos que remonta ao período romano.

Descemos até junto das talhas para perceber todo o processo de produção. No fundo da talha é colocado cerca de 30% do engaço e só depois as uvas esmagadas. Durante a fermentação, as massas têm de ser mexidas várias vezes por dia e a temperatura devidamente controlada, através da rega do exterior da talha, de forma a evitar que quebre. Apesar do interesse e produção que têm vindo a demonstrar nos últimos anos, tenho observado nas adega que visito que os vinhos de talha continuam a ser produzidos por pessoas, algumas já com bastante idade, que detêm aquele saber fazer que não se aprende na faculdade e que só com tempo e muita experiência se adquire.


Quando se concluiu a fermentação, cerca de uma semana depois, no topo é colocado um pano. No Alentejo, por norma o vinho era retirado no dia de S. Martinho. No entanto, a José Maria da Fonseca continua a perpetuar uma tradição própria desta adega e mantem o vinho na talha mais 6 meses. Em fevereiro / março do ano seguinte é retirado e filtrado naturalmente. Cerca de 70% desse vinho é colocado mais um ano noutra talha e 30% numas pequenas barricas de castanheiro, que lhe confere estrutura e taninos que o barro não permite. Só apenas um ano depois é engarrafado. Em 2020 não houve produção de vinho de talha na Adega José de Sousa.

Na antiga cozinha dos trabalhadores, decorada com louça típica do Alentejo e objetos que testemunham os quase 150 anos desta adega, é hoje a sala de provas. Com o final da manhã a aproximar-se e a temperaturas a subir, o espaço além de bonito, estava muito fresco e agradável.


Iniciou-se a prova com um Puro Talha branco. É exatamente feito como um tinto, a partir de uvas provenientes de vinhas velhas e apenas em anos em que a produção o permite. Só por isso, é uma raridade. É um vinho surpreendente pela descoberta que proporciona: assemelha-se a um moscatel, de cor intensa alaranjada com aromas adocicados de mel e frutos secos. Na boca é um mundo completamente diferente, com muita mineralidade e terrosidade. Não é o primeiro vinho de talha que provo e talvez pela sua falta de estrutura, continua a não me conquistar.


O Monte da Ribeira Branco é um vinho produzido a partir das castas Sauvignon Blanc, Verdelho e Antão Vaz, sendo está última claramente mais evidente.


Terminou-se com um José de Sousa Mayor, um vinho extraordinário que reúne o melhor de dois mundos. É um blend de uvas pisadas a pé, fermentadas em lagar com consequente estágio em barricas novas  e de uvas cuja vinificação ocorreu em talha. Se no puro talha senti falta de estrutura, aqui está bem presente.


Adega José de Sousa

Rua de Mourão, 1

7200-291 Reguengos de Monsaraz

www.jmf.pt


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