Mira, a praia da minha infância


Praia de Mira
Quando era criança tinha uma noção diferente do tempo. Assim que as aulas terminavam começava a contar os dias até ao primeiro de Agosto. E eles ainda eram tantos… Ocupava-os com coisas importantes para a idade: grandes voltas de bicicleta no terraço, corridas que terminavam com os joelhos esfolados e saltos à corda com tentativas de bater o meu recorde sem tropeçar.
Quando já faltavam poucos dias começava a supervisionar os preparativos. A minha mãe colocava a roupa em cima da cama e de vez em quando ia confirmar se o meu biquíni favorito com mochos verdes lá estava. Ao ver o amontoar de coisas necessárias para um mês de férias ficava preocupada se ainda cabia o meu saco de brinquedos.
Houve um ano que a viagem foi feita entre lágrimas e lamentos. Choveu e trovejou durante o caminho. Bem que me diziam que era passageiro, que no dia seguinte estaria sol e calor mas eu estava inconsolável. Como era possível aquele dilúvio no meu primeiro dia de praia?
Assim que avistava a avenida ladeada de pinheiros sabia estar perto. Procurava-se um lugar para estacionar e lá íamos bater à porta a dizer que chegamos. A dona Maria rasgava um sorriso quando me via mas eu torcia o nariz. Era-me difícil cumprimentar aquela figura vestida de preto, com uma saia rodada e um forte odor a peixe. E porque razão havia de trazer sempre aquele chapéu com o penacho?

Praia de Mira
O resto do dia era o que chamava de “seca”. Tinha de esperar que tudo estivesse arrumado e só no dia seguinte veria o mar. Nessa manhã era sempre a primeira a acordar. Vestia o meu biquíni, pegava no saco dos brinquedos e ficava à porta à espera, impaciente. Assim que entrava na estrada principal que dava acesso direto à praia já ficava feliz. Gostava de ver os baldes e moinhos expostos à entrada das lojas, as toalhas com cores apelativas, os grandes jarrões com pinturas egípcias e os frangos na churrasqueira Praia-Mar que eram colocados na grelha logo pela manhã.

Praia de Mira
Praia de Mira
À medida que ia subindo, começava a sentir a brisa do mar e o coração acelerava. Metia os pés na areia fria, abandonava os chinelos e corria, corria, corria. Que me importava se ainda não havia outros meninos para brincar ou se a bandeira estava vermelha? O momento pelo qual esperei tanto tempo tinha finalmente chegado.
Durante o mês de Agosto, todos os dias eram iguais. Começavam no mercado a comprar o pão, a fruta e legumes. A meio da manhã ia de mão dada com o meu pai ver a chegada do peixe. Pedia-me sempre que tivesse cuidado com as redes para não magoar os pés mas ficava tão impressionada com o esforço dos homens e animais que me esquecia.

Praia de Mira
No fim de almoço alegava sempre não ter sono mas com insistência lá dormitava. Acordava a perguntar se já eram 4horas. É que sabia que antes não podia ir a banhos. Enquanto me secava ao sol lanchava e no fim havia navalheiras ou então um gelado. Eu gostava dos “quentes”, daqueles que saíam das máquinas diretamente para os cones de bolacha. Quando me portava bem, podia comer dois sabores: morango e chocolate.

Praia de Mira
Havia dias em que os banhos eram a dobrar. Enquanto ia comprar tremoços às gandaresas junto da capela, pedia ao meu pai se me levava à barrinha. A dona Licínia já me conhecia e era minha aliada.
-Leve lá a cachopa que as férias estão quase a acabar. – dizia enquanto me piscava o olho.
E lá íamos. O meu irmão na frente porque os mergulhos eram sempre poucos. A mim chegava-me chapinhar enquanto o meu pai controlava o tempo no relógio para os banhos no fim do dia não se atrasarem.

Praia de Mira
Praia de Mira
Hoje a Praia de Mira está muito diferente. Renovou-se o mercado, novas lojas substituíram as antigas, o areal parece-me mais pequeno e os patos tomaram conta da barrinha. Mas a dona Licínia ainda vende tremoços junto à capela com os seus trajes tradicionais. Já não me pisca o olho nem imagina que faz parte do meu baú de memórias. Aquele tempo já não volta mas gosto de o recordar.

Este texto está publicado no Lifecooler e pode ser lido também aqui.

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