Aldeias Históricas de Portugal: Trancoso

É uma das Aldeias Históricas de Portugal e em Trancoso há muito para conhecer. Destro do núcleo amuralhado não faltam histórias, lendas e profecias e doces regionais com séculos de tradição.

Aldeias Históricas de Portugal; Trancoso; o que visitar em Trancoso
Após a visita a Marialva, desci até Trancoso, outra aldeia histórica de Portugal. Não me tinham aconselhado a paragem (que era frio, que havia lugares mais interessantes, já foram a Foz Côa? Têm também Mêda e Pededono) mas a decisão estava tomada. Após uma pesquisa rápida, pareceu-me que havia muito para conhecer e contactei o turismo para agendar uma visita guiada. Foi dos poucos em Portugal onde não me colocaram entraves, nem de horários nem de número de pessoas. Às vezes basta haver vontade.
Chego depois da hora de almoço. Passo pelo Parque Municipal e estaciono junto ao campo da feira onde se ultimam-se as arrumações, já que foi dia de mercado. A temperatura desceu consideravelmente e o vento gelado também não ajuda. Mas lá está, com vontade tudo se supera e à hora marcada inicio a visita junto à Porta d’el Rei. É uma das quatro do núcleo amuralhado, juntamente com as de S. João, do Carvalho e do Prado. Como portas principais são brasonadas, fechavam em guilhotina e procurando ainda se encontram as marcas de canteiro. Hoje é uma espécie de ponto de encontro, onde os locais matam as horas à conversa.
Entro na rua principal de Trancoso, com comércio de ambos os lados. Logo ao início fica a Casa da Prisca, seguida de pequenas lojas de roupa, cafés e mercearias. Já não é época da castanha mas quase todas as exibem à entrada, separadas por tamanhos.

Aldeias Históricas de Portugal; Trancoso; o que visitar em Trancoso
Gonçalo Anes Bandarra, poeta, profeta e sapateiro, é a figura da terra e está imortalizado na estátua junto à Câmara Municipal. São várias as lendas a ele associadas mas uma das mais conhecidas é a do banco do eco. Os amigos, para testarem os seus dotes de adivinho, colocaram uma folha de pergaminho na pedra onde costumava trabalhar. Quando Bandarra se sentou, apercebeu-se da diferença e disse “Ou a terra subiu ou o céu desceu” e procurando conseguiu encontrá-la.
Regresso à rua principal até ao Largo D. Dinis, localmente conhecido por Largo da Avenida. Outrora existiu aqui o Convento de Freiras da Ordem de Santa Clara, cujo único legado são as sardinhas doces. As freiras que lá habitavam eram oriundas do litoral e como o peixe era escasso colmataram essa falha com a criação de um doce conventual em forma de sardinha. A receita foi passando e ainda há quem as faça de forma tradicional. Têm uma forma mais “tosca” do que as da Casa da Prisca e podem ser adquiridas nos cafés e pastelarias locais.
Do lado oposto encontra-se o pelourinho, o segundo que vejo em forma de gaiola coroada com uma esfera armilar (o outro foi em Marialva). Atrás fica a Igreja de S. Pedro, que apesar de não ser a igreja matriz, é das mais visitadas por nela se encontrar o túmulo do Bandarra.

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Começo a ver os primeiros sinais de que estou a entrar na judiaria, com as casas a apresentar diversos tamanhos de portas: a mais estreita dava acesso à parte privada e a mais larga para a atividade comercial. Por cima ficava uma pequena janela para avistar quem chamava.
A Casa do Gato Preto é o ex-libris do judaísmo em Trancoso. Deve o seu nome ao facto de no interior estar esculpida a figura de um gato. Na fachada podemos ver o Leão de Judá, as Portas de Jerusalém, a pomba e uma figura que poderá ser um judeu a entrar na sinagoga e a segurar o quipá. Aqui poderá ter sido a sinagoga, facto corroborado pelo leão e pela existência do Poço do Mestre nas proximidades.

Aldeias Históricas de Portugal; Trancoso; o que visitar em Trancoso
Aldeias Históricas de Portugal; Trancoso; o que visitar em Trancoso
Por ruas cada vem mais estreitas, chego ao Centro de Interpretação da Cultura Judaica Isaac Cardoso, que tem atraído a Trancoso muitos judeus. À entrada tem uma maqueta do campo de concentração de Auschwitz  seguida de uma pequena mostra de objetos judaicos. Fico a pensar que é uma pena que haja tão pouco exposto mas quando entro na sinagoga esse sentimento desvanece-se por completo. Além da mezuzá na porta, vejo a grande Tora em pergaminho e todo o trabalho em madeira nas paredes é uma homenagem do arquiteto às vítimas da Inquisição. É aqui também que me apercebo dos hábitos judaicos presentes na minha vida e que desconhecia por completo: nunca sacudo a toalha da mesa ou varro o chão à noite para o exterior.
A Rua da Alegria, além de muito bonita pelas suas hortências, apresenta um importante conjunto patrimonial, formado por marcas, sinais e inscrições atribuídas aos cristãos novos. Há duas explicações: ou foi o cristão velho que marcou as casas para alertar que ali mora um antigo judeu ou o cristão novo como sinal de conversão. O nº 11 é outro do local que se aponta como a antiga sinagoga de Trancoso, já que sua planta corresponde à sinagoga de Tomar.

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Começo a subir em direção ao castelo, que fica mais ou menos a 850 metros de altitude e o frio volta a sentir-se. No entanto, a vista compensa, com um céu entre o rosa, o azul e o cinza, a resistir à chuva.

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O castelo foi requalificado e está em excelente estado. A torre é das poucas em Portugal com janela árabe e podem ainda ver-se as ruínas da Capela de Santa Bárbara e a cisterna.

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A próxima paragem é na Porta do Carvalho, também ela com direito a lenda. João Tição, cavaleiro em Trancoso, numa noite de tédio, resolveu sair sozinho até ao acampamento árabe para se apoderar da bandeira do inimigo. Mas no regresso foi perseguido e ao chegar à porta do carvalho encontrou-a fechada. Ao aperceber-se de que não iria conseguir entrar proferiu as seguintes palavras: “Salta, cavalo! Morra o homem, fique a fama!” E assim foi. Acabou por ser capturado e queimado em azeite a ferver.
Já a chegar às Portas do Prado cruzo a rua até ao conjunto de sepulturas antropomórficas, uma das maiores necrópoles medievais escavadas na rocha no concelho.

Aldeias Históricas de Portugal; Trancoso; o que visitar em Trancoso
Onde é hoje um restaurante foi no século XV a casa do padre Costa, que teve quase 300 filhos e que ficou conhecido como o povoador das beiras.
Em passo mais apressado, já que o fim do dia se aproxima e com ele o frio começa (mais) a apertar, regresso pela rua principal até à Porta d’el Rei. Mas antes de me despedir de Trancoso, não posso deixar de conhecer a Casa da Prisca, um espaço incontornável para quem visita a cidade. Poderia ser apenas mais uma loja mas o senhor Agostinho Santos, com a sua simpatia, boa disposição e arte de bem receber torna a experiência muito cativante. Entre degustações de vários produtos, sem esquecer as sardinhas doces, conta-me como criou esta empresa na aldeia de Freches e como evoluiu, abarcando hoje uma panóplia de produtos, desde os enchidos, ao queijo Serra da Estrela DOP, sem esquecer as compotas e os licores. Não fosse imperativo partir, ficaria aqui mais tempo, a escutar uma vida recheada de histórias.

Aldeias Históricas de Portugal; Trancoso; o que visitar em Trancoso
Aldeias Históricas de Portugal; Trancoso; o que visitar em Trancoso

2 comentários:

  1. Adoro conhecer as aldeias históricas de Portugal, mas ainda não conheço Trancoso! Parece bonito e as sepulturas medievais são impressionantes, estão muito bem conservadas! Gostei de conhecer, fica registado para um próximo fim-de-semana!

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    1. Olá Ana: adorei o passeio por Trancoso e como fiz uma visita guiada, ainda foi melhor. Se tiver oportunidade não deixe MESMO de conhecer.

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