Idanha a Velha

A história de Idanha-a-Velha remonta ao século I a.C., quando era conhecida como Egitânia, uma cidade de passagem entre Braga e Mérida. Por aqui passaram vários povos ao longo dos séculos cujos vestígios ficaram para a posterioridade. Hoje é uma das mais bonitas aldeias históricas de Portugal.


Idanha-a-Velha é daqueles lugares surpreendentes. Esta pequena aldeia, hoje habitada por cerca de 50 pessoas, mantém vestígios que atestam a passagem de vários povos: romanos, suevos, visigodos e muçulmanos.
O casario em pedra é geralmente baixo e alinhado mas há uma casa de se destaca de todas: a Casa Grande ou o Solar da família Marrocos, proprietários rurais abastados. Os donos desta imponente propriedade, que em breve será uma unidade hoteleira, detinham também um lagar de azeite nas imediações para seu uso exclusivo. Apesar do lagar ser de finais do século XIX, há registos da sua existência desde 1700.
A azeitona era trazida nos carros de bois e colocada nos tanques de salmoura para não oxidar. Depois era transferida para o pio de três galgas onde um boi, geralmente o que iria ser vendido nesse ano, puxava o mecanismo que através das suas pás, os "salazares", transformava a azeitona numa pasta.


Era depois transferida para umas ceiras, caldeadas e empilhadas. Pela força dos homens, as grandes varas prensavam as ceiras e o azeite juntamente com a água escorria para as tarefas. Quando enchia, o azeite escorria para outra tarefa e aí a supervisão do mestre tarefeiro era fundamental para separar a água do azeite. Ele sangrava a tarefa e a água escorria para o inferno ou poço ladrão. Quando se descuidava, os funcionários deixavam passar um pouco de azeite e ao fim do dia levam-no para casa para consumo próprio. As dificuldades assim o ditavam. Hoje com 3 ou 4 quilogramas de azeitona faz-se 1 litro de azeite mas naquela altura era necessários uns 10 quilogramas.


Este lagar funcionou até 1948. Esteve encerrado até 1993, altura em que se decidiu proceder à sua recuperação, que durou dois anos. Essa recuperação teve uma particularidade: foi feita como se ainda estivéssemos no "antigamente", com o menor uso de novas ferramentas. Por exemplo, o transporte de materiais foi feito em carro de bois.
Mas eu estava apenas a levantar o véu do imenso património de Idanha-a-Velha. Foi uma enorme surpresa descobrir no antigo quintal do lagar o museu epigráfico.

A mais antiga epígrafe é do ano 16 a.C. para celebrar a oferta de um relógio de sol de Quintus Tallius aos Igeditanos.
Eu que sempre que vejo este tipo de vestígios lembro-me da arqueóloga que não cheguei a ser, andei a ver as placas com atenção e percebe-se bem a diferença entre elas. Quanto melhor for a qualidade da pedra e da inscrição, mais alto seria o estrato social.
Das mais interessantes é a epígrafe votiva ao deus Marte, oferecida pelo escravo Fravius que foi libertado porque conseguiu comprar a sua liberdade devido a ser o melhor (ariston) na sua função.



Contígua ao museu fica também uma casa romana de átrio, cujas ruínas podemos ainda observar.
A adaptação dos monumentos é algo que já vem de há muitos séculos atrás, assim como o seu uso indevido.

As sepulturas que estão junto à muralha foram trazidas para aqui porque já estavam a ser usadas como bebedouros para os animais.
Não é o primeiro lugar onde isto aconteceu e certamente não será o último.
As ruínas da Sé Episcopal começaram por ter uma base romana mas foram sofrendo intervenções ao longo dos tempos. À entrada fica o batistério do século VII. Hoje o edifício é usado para eventos de vários tipos (concertos, reuniões, exposições).


Mas há outros vestígios de igual importância a uma curta distância a pé. E que bem que sabe percorrer as ruas empedradas junto do casario bem cuidado. Algumas portas coloridas chamam mais a atenção, assim como os vasos floridos na entrada.



As pessoas de mais idade, perante alguma agitação que quebra o silêncio deste lugar histórico, espreitam pelas vidraças e abrem a porta sem receios. Recebem-me com um boa tarde, perguntam-me se estou a gostar do passeio, de onde venho, recordam os bisnetos que estão por Lisboa enquanto se sentam junto do meu filho. Partilhar memórias é das melhores coisas que levamos da vida.
Reúne-se um pequeno grupo no Largo da Igreja, junto ao pelourinho e à Igreja Matriz com os seu bonito portal decorado. Nada parece incomodar o senhor e o seu fiel cão que desfrutam do sol de inverno.



Sigo estrada abaixo, passo pela Capela de S. Dâmaso e prossigo até à ponte velha de origem romana. Adoro pontes antigas. Esta tinha particular importância já que ligava Braga a Mérida, duas das principais cidades romanas da Península Ibérica.


É tempo da apanha da azeitona e ao longe ouvem-se as vozes dos trabalhadores que varejam os ramos das oliveiras. Junto à porta norte, de origem romana, são várias as maralhas que ainda não foram recolhidas. Algumas azeitonas ficaram esquecidas no chão que os meu filho recolhe e guarda no bolso.
-São bolinhas mamã.



Simplificar todo o processo de produção de azeite é um exercício que vou fazendo à medida que subo até à torre de menagem erguida sobre o antigo fórum romano. Este lugar cimeiro permite uma vista invejável para os telhados e sobretudo para o antigo Palácio dos Bispos.



Não fosse a voz do Fernando Mendes que grita de uma televisão próxima e este fim de tarde a ver o pôr do sol teria sido perfeito.


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