Monsanto - a aldeia mais portuguesa de Portugal

Aldeia ímpar, Monsanto ostenta vários títulos: aldeia mais portuguesa de Portugal e Aldeia Histórica. Para mim é dos lugares mais incríveis e autênticos do nosso país.


A aldeia de Monsanto é dos lugares mais fascinantes que visitei nos últimos tempos. A manhã era de nevoeiro e a subida até à aldeia foi uma descoberta a cada metro percorrido. Chegar cedo tem sempre vantagem: poder ver a aldeia quase deserta. Junto ao primeiro miradouro avisto a estrada há minutos percorrida e as casas de pedra circundantes. Não soubesse da existência do castelo e nunca diria que lá me espera.


De todas as aldeias existentes em Portugal, Monsanto destaca-se. Além da localização, topografia e lendas associadas, a principal razão deve-se ao concurso lançado durante o Estado Novo pelo Secretariado da Propaganda Nacional para eleger a aldeia mais portuguesa de Portugal. Havia um conjunto de regras relacionadas com usos, costumes e tradições e durante a estada do júri na aldeia foram feitas várias encenações (madeiro, casamento, Semana Santa).

Monsanto foi ser eleita em 1938 a aldeia mais portuguesa de Portugal e além da distinção, recebeu como prémio um galo de prata. Em 1995 ganhou também o título de Aldeia Histórica.
Começo a percorrer as ruas empedradas de Monsanto junto à Igreja de S. Salvador. É aqui que se encontra a primeira cruz da via sacra e o percurso que agora enceto pode ser para alguns um verdadeiro martírio se não souberem ao que vêm. Monsanto é sempre a subir.



Não é necessário avançar muito para perceber que a maioria das casas são em granito. Há algumas caiadas, brasonadas, de famílias ricas que em tempos deram trabalho e sustento aos monsantinos. E também de figuras ilustres da cultura portuguesa, como Fernando Namora que aqui morou entre 1944-46 onde exerceu medicina e escreveu várias obras, como o "Retalhos da vida de um médico".
Pode-se dizer que existem várias "Monsanto". Ao longo dos séculos, as populações foram-se deslocando consoante as necessidades: durante as guerras procuraram a proteção junto do castelo, em tempo de paz desciam para a planície onde ficavam os campos. Atualmente, na zona mais alta moram cerca de 80 pessoas. Em geral as casas estão cuidadas mas há também algumas quase em ruína. O problema que existe em Idanha-a-Velha e tantas outras aldeias (não saber a quem pertencem as habitações) dificulta requalificar o património.



Algumas destas casas foram transformadas em alojamentos locais, tal é o número de visitantes que procuram uma experiência mais autêntica. Continuam a ser portugueses e espanhóis quem o faz em maior número mas (e pasme-se), chegam por dia vários autocarros de turistas japoneses. Passam poucos minutos das dez da manhã quando me cruzo com o primeiro grupo.

No ano passado Monsanto foi eleita por uma agência japonesa como uma das 30 aldeias mais bonitas da Europa e única em Portugal.
Os monsantinos tiveram sempre a capacidade de adaptarem as condições naturais às suas necessidades. É o caso da gruta a caminho do castelo que já serviu de furda e taberna e hoje é apenas uma atração. Mas furdas é coisa que por lá não falta, já que criar os seus próprios animais era imperativo para combater a fome. Do miradouro, a aldeia é um intrincado de habitações na encosta. Há algumas que se destacam, como a casa de uma só telha ou as casas mais típicas com os seus estendais e flores nas entradas.


Junto ao castelo fica a antiga freguesia de S. Miguel onde outrora se concentrou a população em busca da proteção. A capela de S. Miguel, românica do século IX, não foi reconstruída e permanece sem telhado. Conserva apenas o campanário contíguo. Além do conjunto de sepulturas antropomórficas, destaque também para a lage das treze tigelas, associada à lenda da fidalga do castelo que vinha dar de comer aos mais desfavorecidos e seria nestas saliências que colocava a comida. 



Aqui é local ideal para perceber o engenho dos monsantinos na construção do castelo. Aproveitaram a escarpa natural para fazer uma das paredes da muralha. No interior encontra-se a Igreja de Santa Maria, recontruída de um antigo edifício religioso templário. 
Esta fortificação está associada à lenda do castelo que continua a recordar-se a cada 3 de Maio.

Na Festa da Divina Santa Cruz, os monsantinos sobem ao castelo trajados a rigor, entoando nos seus adufes músicas tradicionais e empunhando orgulhosamente as marafonas.
À frente vai o pote caiado de branco simbolizando a vitela e enfeitado de flores, símbolo do trigo que lhe deram a comer e é atirado do ponto mais alto, a 758 metros. Recorda-se assim a vitória dos monsantinos que conseguiram enganar os mouros ou espanhóis, não se sabe ao certo. É pormenor de somenos. O que importa é não deixar morrer a tradição.
Regressei ao miradouro passava pouco do meio dia. Tinha marcado mesa no restaurante O Cruzeiro mas ainda não sabia que ia ter a sobremesa antes de almoçar. Pegar no verdadeiro galo de prata, aquele que esta aldeia recebeu há precisamente 80 anos. Foi tal a emoção que só agora, olhando para a captura do momento, me apercebo que o nevoeiro e intensa humidade me frisaram por completo o cabelo. Mas eu também não sou a protagonista.


O início da tarde trouxe finalmente o sol e com as energias recuperadas, decido regressar ao castelo. Monsanto ganhou cor e fez o granito brilhar.





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