Foie gras: iguaria gastronómica da Dordonha


Há os que amam e os que detestam. Outros simplesmente desconhecem o seu sabor único. O foie gras tem tanto de controverso como de extraordinário.


Degustação de foie gras
No meu tempo de estudante partilhei casa com uma francesa e no frigorífico havia sempre um frasco de foie gras. Muitas foram as vezes que a vi iniciar uma refeição com um simples pedaço de pão e de faca em punho, lá ia mais uma fatia. Apesar dos sucessivos convites, resisti sempre a acompanhá-la, motivada pelo que li sobre o processo por detrás desta iguaria.


Quando planeei a minha viagem pela Dordonha, deixei os preconceitos de lado e marquei uma visita a uma quinta de produção de gansos e patos. São várias as que abrem as portas a visitantes mas a escolha recaiu sobre La Campagnoise. Começou por vender animais em mercados, foi alargando o seu negócio e hoje conta com 40 anos de experiência.

La Campagnoise

Na quinta existem cerca de 200 gansos de Toulouse e alguns patos. Até aos três meses de idade vivem num espaço amplo ao ar livre, sob a sombra das árvores, onde se alimentam de ervas. Estão delimitados por uma rede elétrica, não vão as raposas sentirem-se tentadas a perturbar a sua paz. A guia sugere uma pequena brincadeira: se dou um passo em frente, eles recuam, se eu recuo, eles avançam. Quando ouvem vozes deixam de grasnar, parecendo estar atentos à conversa.

Gansos de Toulouse; foie gras; La Campagnoise

A partir dos três meses são transferidos para a sala de gavagem e divididos em grupos de dez. Os gansos são alimentos três vezes ao dia durante três semanas e os patos duas. A alimentação é composta por 1/3 de farinha, 1/3 de milho e 1/3 de milho britado. A máquina manual foi substituída por uma hidráulica, com capacidade para alimentar 100 animais em meia hora. Existem vários ventoinhas espalhadas de modo a facilitar a circulação de ar.

A partir de 1989 começou a produção de conservas na quinta. É aqui o próximo local de visita, após as devidas regras de higiene. De facto, tudo está limpo e arrumado. Começam-me logo por dizer que apesar de não terem certificação da norma ISO 9001, há uma grande preocupação com o controlo da qualidade. Verifica-se a temperatura dos animais, das matérias primas, controlo do fecho das conservas e termina-se com a esterilização.

À medida que percorro as salas, vou percebendo o processo. Dos animais, apenas não é usada a cabeça e as patas. O fígado, elemento mais nobre, é o primeiro a ser retirado. A qualidade é cuidadosamente examinada e é isso que vai determinar o seu destino: se for excepcional, será um foie gras entier, caso contrário, será usado para bloc de foie gras ou outras especialidades, como mousses e patés. Processos que implicam cozedura, salga, enlatamento e esterilização.

É no enlatamento que sinto uma pitada de orgulho quando me mostram algumas das máquinas. Feitas em Nantes, em 1970, já não se fabricam e por isso são únicas.


Tudo termina na sala de esterilização, onde as latas são lavadas, colocadas no autoclave e novamente lavadas e limpas manualmente. Por fim, é colado o rótulo também manualmente.

Apesar da quinta dispor de uma loja onde faz venda direta, os seus produtos são também comercializados nos mercados semanais, em lojas gourmet, em eventos ocasionais e pela internet.

A visita terminou na loja, com uma apresentação geral dos produtos. À minha espera estava também uma degustação de rilletes de ganso e foie gras de pato. Para acompanhar, um vinho branco Côtes de Bergerac Moelleux, muito fresco e frutado.

La Campagnoise

Já sabia que para os verdadeiros gourmands e apreciadores da alta gastronomia, o foie gras é incontornável. Mas esta visita à quinta fez-me perceber a sua simplicidade, soberbo apenas com um pedaço de pão.

De regresso a casa, partilhei em alguns jantares estas iguarias com amigos. Mas foi num ambiente mais intimista que voltei aos meus tempos de estudante. Sempre que corto uma fatia de foie gras volto a viajar pela Dordonha e recordo que a verdadeira amizade se mantém apesar da distância.

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