Da Quinta do Mocho para o mundo

É das maiores galerias de arte urbana da Europa, fica no concelho de Loures e anda nas bocas do mundo. As pinturas da Quinta do Mocho convidam a quebrar estigmas e preconceitos.

Quinta do Mocho; galeria de arte urbana

É quase uma da tarde. Nem à sombra se consegue escapar ao calor do sol que não dá tréguas. NADA parece não o sentir. Continua a pintar, traço após traço, numa das duas obras que neste momento se encontram em execução.

Quinta do Mocho; galeria de arte urbana

A Quinta do Mocho é conhecida pelas piores razões mas este projeto de requalificação urbana através da arte trouxe novas oportunidades aos moradores. O senhor Osvaldo, de sorriso rasgado, conta como é cá morar:
– No bairro não nasceram pessoas com sapatos. Antes nem um táxi entrava. Vivo aqui mas nunca devo esquecer as minhas raízes.
São várias as comunidades mas a angolana predomina. Apesar de ser a segunda visita organizada ao bairro, ainda há rostos que espreitam desconfiados pelas janelas e quando sentem um cruzar de olhos, afastam-se. Um dos guias e morador explica algumas das razões:
– As pessoas tinham vergonha de dizer que moram na Quinta do Mocho. Quando iam a  entrevistas de emprego diziam morar noutro local próximo. Este projeto ajudou a sentirem o bairro como delas, a serem mais afáveis e acolhedoras.
A requalificação engloba pintura, graffitis e uma escultura. A mais antiga, da autoria de Miguel Brum, retrata o bairro através do mocho e duas mães, uma delas a chorar, na sequência das tragédias que por cá já aconteceram.

Quinta do Mocho; galeria de arte urbana

Nomen pinta uma local que usa uma máscara durante o dia mas quando chega a casa retira-a e revela o seu verdadeiro eu. Na Quinta do Mocho é ela própria.

Quinta do Mocho; galeria de arte urbana

Smile chama Sentinela à girafa, um animal que dorme pouco. Aqui também há sempre pessoas alerta, prontas a ajudar quem precisa.

Quinta do Mocho; galeria de arte urbana

Estes bairros estão muitas vezes associados a combates e maus tratos a animais. Chip, ao colocar o Woodstock, o melhor amigo do Snoopy, no focinho de um cão considerado perigoso, retira-lhe a agressividade a que está associado. Mesmo onde tudo parece mau, é só preciso descobrir o que tem de melhor.

Quinta do Mocho; galeria de arte urbana

A garça, de Bordalo II, descendente de Bordalo Pinheiro, é a única escultura e a obra com mais projeção internacional. É feita a partir de restos de automóveis.

Quinta do Mocho; galeria de arte urbana

Uma das fachadas de que mais gosto retrata uma criança a desenhar. Adres teve a ideia de pedir sugestões no infantário que pintou na parede, aliando a inocência a uma forte mensagem. Este prédio tem um significado especial: foi aqui que morou o jogador de futebol Carlos Mané, um dos casos de sucesso que saíram da Quinta do Mocho. Os músicos Kedi Santos e Ludy Kwenda também fizeram questão de participar na visita.

Quinta do Mocho; galeria de arte urbana

Um dos primeiros graffitis diz “Vai à escola para o bem da sociedade”. Esse tipo de pinturas, consideradas marginais, parecem ter hoje acabado. Os artistas que participam no atual projeto querem associar o seu nome a obras que possam ser feitas e admiradas livremente. Dos moradores espera-se uma reflexão sobre a vida no bairro, sentido de responsabilidade pelo espaço público e orgulho de um lugar que se quer partilhado.
Já de saída, cruzo-me com duas senhoras. Uma delas interrompe a conversa e diz de modo a fazer-se ouvir:
– As pessoas não sabem mas há crianças que têm medo de sair à rua. Dizem que não gostam das pinturas, que lhes mete medo. Não percebem o que estão a ver.
Talvez a sensibilização e envolvimento da comunidade não tenha chegado a todos. É a prova de que há trabalho para continuar embora este projeto já tenha feito muito. Apesar de ser uma galeria de arte urbana aberta a todos, no último Sábado do mês há uma visita guiada para quem quer saber mais.

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