Quinta do Crasto

Na familía Roquette há quatro gerações, a Quinta do Crasto é das mais conceituadas produtoras de vinho Douro DOC, essencialmente nas gamas premium e super premium.


Quando era criança ficava à sexta-feira a ver televisão com o meu pai até mais tarde. Nos dias frios, via-o ir ao bar, onde se servia de uma bebida, geralmente um brandy Constantino. Assistir a esse momento era uma espécie de cocktail para os sentidos: o odor da madeira, o tilintar do copo, o cheiro adocicado da bebida. Mas gostava sobretudo do rótulo alaranjado com a carruagem puxada pelos cavalos que me fazia viajar até ao oeste e imaginar índios, cowboys e grandes perseguições sob fogo e flechas.
Estava longe de imaginar que, na minha última ida ao Douro para visitar a Quinta do Crasto, iria recuar tantos anos até esta memória feliz. Após sair do cais do Pinhão a bordo do Friendship I, um dos barcos vintage da Pipadouro, atraquei no Cais do Ferrão. À minha espera já se encontrava o sr. Martins para me levar até à Quinta do Crasto. Além de bom conversador, domina por completo esta antiga carrinha Bedford, hoje usada para transportar os turistas. E lá subimos vagarosamente, lançando um olhar pela encosta de vinhedos.


A Quinta do Crasto foi adquirida em 1918 por Francisco Constantino de Almeida. Até 1981 produziam-se brandy e vinho do Porto usando a marca Constantino.
À semelhança de outras quintas no Douro, no final do século passado, a Quinta do Crasto optou por uma viragem, assumiu-se como produtora de vinho DOC Douro.
Além das vinhas junto ao Crasto, possuem também a Quinta da Cabreira e a Quinta do Querindelo. Atualmente produzem um milhão e meio de garrafas, dos quais 80% é vinho tinto, 10% vinho branco e 10% vinho do Porto. Exportam para 52 países, sendo o Brasil o principal mercado.
Se na subida, a caminho da quinta, o terreno não me parecia muito acentuado, a minha perspetiva altera-se num pequeno passeio pela propriedade. De um lado, a vinha vertical afigura-se mais "simpática". Além de ser possível colocar 5000 pés por hectare, permite a entrada de um trator, o que ajuda em muito nos trabalhos.


Do outro temos a vinha Maria Teresa, plantada em terraço, onde apenas são permitidos 3000 pés por hectare. Foi plantada em 1918, em sistema blend field, e é a partir destas uvas que se produzem os melhores vinhos da Quinta do Crasto. É natural que uma vinha com 100 anos acabe por sofrer as consequências do tempo. Neste momento, cada videira produz cerca de 300 gramas de uva, o que equivale a menos do que um copo de vinho, em contraponto a uma videira nova que produz 1,5 quilograma, o que equivale a uma garrafa. De forma a preservar este património, está em prática um um mapeamento genético. Em oito anos, estudaram 20% de 4,5 hectares, identificando 49 castas diferentes.



É o último dia de vindima e chega mais um carregamento de caixas à adega, que passará pelos trâmite normais. A colheita é toda manual, feita sobretudo por mulheres, pela sua mão delicada, própria para não danificar as uvas. Depois são os homens que as transportam para a carrinha.
Apesar de já ter visitado algumas adegas que adquiriram os pisadores automatizados criados pela Symington, é aqui que os vejo em funcionamento. Primeiro, as uvas são pisadas durante 4 horas, apenas por homens. Só posteriormente é que estes pezinhos de silicone continuam a pisa nestes lagares de granito recuperados.


Na adega das cubas de inox ainda se ultimam os últimas obras que não se concluíram a tempo da vindima. Deu-se-lhe uma nova roupagem mais adequada ao enoturismo, com o enquadramento perfeito de foto postal.


Os entradas de gama fazem estágio em inox durante cerca de 3 meses; os restantes na cave de barricas. Aqui existem 1600 barricas sobretudo de vinho tinto e uma pequena percentagem de branco. São sobretudo em carvalho francês e apenas usadas duas vezes. Além do tradicional empilhamento com a ajuda de calços de madeira, a Quinta do Crasto foi pioneira em Portugal a usar o sistema francês OXOline que permite uma mais ágil arrumação, rotação, remoção e limpeza das barricas.



Outra da inovação usada é a gravação a laser na garrafa de um código que permite identificar o conteúdo. Este sistema, além de controlar a falsificação de vinho, evita erros de rotulagem, uma vez que esta não é feita aqui.
Apesar de ser um dia normal de trabalho, o ambiente é bastante tranquilo em todos os edifícios da quinta. Aqui prima-se pela exclusividade, sem multidões e confusões. Se algum passante entrar é sempre recebido e oferecido um copo de vinho. No entanto, sem marcação prévia para visita ou almoço, não será possível.
Para terminar, é-me feito um convite inesperado: conhecer a piscina projetada pelo arquiteto Eduardo Souto de Moura. E posso garantir que é das imagens mais bonitas, simulando uma piscina infinita, que parece desaguar no Douro.


Regresso à casa centenária para dar início ao almoço, num ambiente muito autêntico, preservando o soalho em madeira, movéis e fotografias de familia antigas, varandas estreitas mas genuínas. Até a casa de banho manteva o traço original.


A acompanhar uma diversidade de opções, foi servido um Douro Crasto Branco feito a partir das castas Viosinho, Rabigato e Gouveio. Este entrada de gama revelou boa mineralidade, muito cítrico e com fruta tropical.


Regressámos ao exterior para o prato principal, cuja escolha tinha recaído sobre o cabrito assado. Acompanhou com um Crasto Superior Syrah 2015, que estagiou 16 meses em barrica de 1º uso. Apesar deste vinho se ter revelado bastante gastronómico e ideal para acompanhar um prato consistente como este, o Quinta do Crasto Reserva Vinhas Velhas superou-o dada a sua complexidade e excelente equilíbrio de taninos.




A sobremesa foi composta por um conjunto de sabores deliciosos: queijo dos Açores, queijo da serra, marmelada caseira, baba de camelo e uns morangos da horta cuja docura ainda hoje recordo. A velha máxima de que o produto quando é bom precisa pouco de ser trabalhado aplica-se aqui na perfeição. Acompanharam com um Quinta do Crasto LBV 2014, de cor rubi e final persistente.



Volto a reencontrar o senhor Martins ao final da tarde que me traz de volta ao porto do Ferrão para embarcar no Friendship I. Zarpamos nas águas calmas do rio, num bonito e quente dia de outono. Assistir ao pôr do sol no Douro nunca é demais.


Quinta do Crasto
Gouvinhas
5060-063 Sabrosa || Portugal
www.quintadocrasto.pt

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